06/02/2008

A Vida e Obra do Padre António Vieira



Padre António Vieira, 400 anos
(excertos de uma pequena resenha da sua história por José Eduardo Franco)
"Jesuíta nascido a 6 de Fevereiro de 1608 ficou na história da literatura, da política e da Igreja Portuguesa
I - Padre António Vieira (1608-1697), nome grande da cultura, da literatura, da política e da Igreja Portuguesa.

António Vieira nasceu em Lisboa junto da Sé. Aos 6 anos teve que se transferir para o Brasil. Acompanhou com a família o seu pai que tinha sido destacado para desempenhar funções na Alfândega de Salvador da Baía, então capital daquela colónia portuguesa. Entrou para o colégio da Companhia de Jesus daquela cidade, desejando ser missionário e dedicar a vida à conversão dos ameríndios. Tornou-se jesuíta e evidenciou-se rapidamente como um mestre da palavra.

Brilha no Brasil como pregador de palavra competente, firme e incisiva. Os seus sermões de crítica social acusam a consciência dos poderosos, convertem populações indígenas, animam as tropas portuguesas contra as investidas da pirataria, particularmente das frotas holandeses e apelam para uma igreja mais evangélica.
Mas em 1641, proclamada a Restauração da Independência de Portugal, foi convidado a acompanhar a delegação enviada pelo vice-rei, Marquês de Montalvão, a fim de jurar fidelidade e reconhecimento ao monarca português, D. João IV. Em Lisboa teve a oportunidade de revelar os seus dotes oratórios como pregador e logo conquistou a admiração não só do povo, mas também do rei que o convidou para ser seu pregador pessoal. Foi então nomeado para o importante cargo de Pregador Régio, a fim de pregar regularmente à família real e à corte.
Instituído neste papel tão influente, desempenhou um papel decisivo no aconselha-mento político do governo do reino. A pertinência e inteligência das suas propostas causaram a admiração de muitos, mas também as hostilidades de alguns quantos instalados nos seus interesses. O rei, que o admirou sempre e lhe devotou uma amizade incondicional desde a primeira hora, incumbiu-o de missões diplomáticas extraordinárias nos chamados Países Baixos, na Holanda, para defender os interesses do Portugal restaurado e angariar meios para garantir a protecção dos territórios ultramarinos, com especial atenção para o grande território do Brasil.
Na sequência das suas viagens diplomáticas propôs uma série de projectos reformistas no plano económico e social. Merecem especial menção os seus projectos de criação de companhias comerciais monopolistas, à luz do modelo das companhias holandeses e inglesas. Estas propostas vieirianas anteciparam um século os projectos pombalinos de reforma da economia portuguesa.
Mais ousada e avançada para a época foram as suas propostas de reforma da Inquisição, particularmente visavam o fim das denúncias anónimas e do confisco de bens, a abolição da discriminatória distinção social entre cristãos-velhos e cristãos-novos e a concomitante apologia do regresso a Portugal dos judeus expulsos no século anterior. Acreditava que o nosso país tinha erradamente perseguido e dispensado um grupo social empreendedor que fez a grandeza do Portugal dos Descobrimentos. Os descendentes de judeus estavam então na Holanda com a sua conhecida capacidade de empreendimento económico a sustentar a expansão do emergente império holandês, enquanto Portugal jazia em dificuldades enormes para garantir a sobrevivência do seu império ultramarino agora à mercê de piratas e da cobiça conquistadora dos novos impérios europeus.
II - Aliando o seu idealismo evangélico ao pragmatismo político, Vieira criticou fortemente o poder e os métodos do Santo Ofício português que tinha excluído os descendentes de judeus e mouros, entretanto convertidos sob a designação de cristãos-novos. Aquele tribunal impedia aqueles grupos étnicos de contribuir para a afirmação do país. Desejava uma inquisição mais pedagógica e menos persecutória.
Em favor dos índios brasileiros apresentou propostas de reforma administrativa das aldeias missionárias, mais conhecidas por reduções ou aldeamentos missionários, de modo a conceder aos padres missionários poder não só espiritual mas também temporal sobre os missionandos. Pretendia assim proteger de forma mais eficaz as populações indígenas das frequentes incursões esclavagistas dos colonos.
Todavia, este jesuíta genial, que enchia as igrejas a abarrotar e esvaziava os teatros quando pregava, não foi compreendido por muitos dos seus contemporâneos, devido às suas propostas e à sua visão crítica da sociedade, da Igreja e do exercício do poder.
A Inquisição acabou por prendê-lo e condená-lo, depois da morte do seu protector D. João IV, nos anos 60 do século XVI. As razões alegadas para a sua condenação não só tiveram a ver com a sua defesa dos Judeus, mas também com o facto de ter concebido uma utopia universalista que sonhava uma nova era ecuménica de fraternidade e compreensão entre todos os povos, culturas e sensibilidades religiosas. Esta utopia ficou conhecida pelo nome de Quinto Império.
Com base na mensagem de Cristo idealizou para o mundo a construção de uma espécie de civilização do amor, onde o respeito e a fraternidade para com os outros, para com o diferente, assim como a relação harmónica com a natureza fossem as formas de estar quotidianas. A sua utopia cristã de reunião de todos os homens num abraço universal de paz é considerada a mais generosa utopia sonhada na Europa do seu tempo. Era uma utopia que propunha uma solução para os conflitos que se agudizavam em vários pontos do globo naquele tempo da emergente era da protoglobalização.
No entanto, a sua condenação pelo Santo Ofício português acabou por ser anulada pelo Papa, na sequência de uma viagem de peregrinação que Vieira fez a Roma no final da década de 60 e onde permaneceu depois até 1675. Durante a sua estadia em Roma, depois de ter aprendido rapidamente italiano, voltou a destacar-se como um pregador brilhante, de tal modo que conquistou a admiração do Papa e até da Rainha Cristina da Suécia então exilada com a sua corte na Cidade Eterna. O Sumo Pontífice convidou-o para pregar à corte papal, a Rainha Cristina quis insistentemente nomeá-lo seu pregador pessoal. Mas o desejo do grande pregador português não era ficar longe de Portugal por maior que fosse o prestígio dos convites de tão poderosos senhores europeus para permanência longe do seu país.
O Papa deixou-o regressar e fez mais do que Vieira poderia esperar: usou da sua autoridade para moderar os excessos da inquisição portuguesa. Reconhecendo as injustiças e erros praticados nos processos judiciais do tribunal, o Sumo Pontífice chegou a suspender a inquisição durante 7 anos (1675-1681), na sequência da apresentação provada dos relatórios críticos de António Vieira sobre os modos de procedimentos da Inquisição. Foi de facto Vieira quem pioneiramente contribuiu para que a inquisição fechasse as portas pela primeira vez em Portugal.
De regresso às terras lusas, Vieira desejava cumprir, nos últimos anos da sua vida, aquele que era o seu ideal de juventude: dedicar-se à evangelização dos índios. Volta então para o Brasil e volta a realizar expedições missionárias na Amazónia e a criar aldeias missionárias nos sertões brasileiros. Por fim será nomeado pelo Superior Geral para exercer as funções de Visitador das Missões do Norte do Brasil.
Vieira além de ter elevado a língua portuguesa a uma perfeição nunca vista, explorando ao máximo as suas capacidades de expressão, de polissemia, de subtileza, contribuiu para sonhar um futuro melhor para Portugal e para a humanidade, de tal modo que o historiador francês Raymond Cantel considerou-o, nos anos 60 do século XX, precursor dos projectos contemporâneos de criação de organismos internacionais para o entendimento entre os povos do mundo, como é o caso da ONU.
Vieira, figura maior da missionação, das relações entre Portugal e o Brasil e com a Europa, cantado pelos Brasileiros e considerado um luminar da literatura portuguesa e europeia do tempo do Barroco, é um português e um homem de igreja de coração universal cuja vida e obra ainda muito pode inspirar os nossos contemporâneos que desejam um mundo mais justo e fraterno. "


José Eduardo Franco, Historiador

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